Mário Quintana
Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."
Quem trabalha oito horas por dia, seis dias por semana, 279 dias por ano (descontados trinta dias de férias e oito feriados), gasta 2 232 horas trabalhando. Quem folga dois dias por semana gasta 1 848. Se ficarmos com a média, serão 2 040 horas de trabalho, pouco menos de um quarto do total de horas do ano. Quando se faz o que se gosta, ganhando um dinheiro justo, não é demais. Se não, é um stress.
O pior é que um terço do salário (e portanto do tempo que gastamos para ganhá-lo) é confiscado na forma de impostos, taxas e contribuições para os governos municipal, estadual e federal – dinheiro em grande parte mal-empregado. Estudantes gastam em estudos as horas que outros gastam em trabalho. Grande número deles estuda e trabalha – como medir o tempo desses sacrificados?
Trabalho não consome apenas as horas do expediente: tem também as que se gastam para chegar lá e voltar. Numa metrópole, seja deslocando-se no próprio automóvel, seja em condução coletiva, a grande massa leva em média hora e meia para ir, hora e meia para voltar (uns mais, outros menos: há os que levam duas horas e meia e os que levam só meia hora). Na média, gastamos no ano 792 horas no trânsito de trabalho, equivalentes a incríveis 33 dias. Juntando com as do trabalho, são 2 832 horas, quase um terço do ano.
Quem dorme oito horas por dia gasta 2 920 horas. Se for um sono gostoso, ótimo, ninguém é de ferro. Somadas ao tempo do trabalho e da condução, lá se foram 5 752 horas, praticamente dois terços do ano.
Diz Drummond, o poeta, em Elegia 1938: "Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear". Quantas horas ao telefone? Sem contar telefonemas durante o trabalho ou no transporte, quem falou trinta minutos por dia gastou 182 horas!
E diante da televisão? (Há pessoas que trabalham em casa e aposentados que chegam a assistir a três novelas, um noticioso, uma fofoqueira, uma quituteira e um humorístico por dia. Cerca de seis horas diárias, um quarto do ano vendo televisão.) Os que trabalham fora, quantas horas de vídeo cabem no seu dia? Uma? Duas? Um noticioso? Uma novela? Um filme? Um jogo de futebol? Que seja o mínimo: uma hora por dia, duas aos domingos, dez por semana, 520 por ano. Somadas às do telefone, do sono, do transporte e do trabalho, 6 454 horas.
Deveríamos comer mais devagar e com mais prazer, mas come-se cada vez mais depressa. Calculemos sessenta minutos por dia, 365 horas por ano. Gastamos sessenta minutos com higiene pessoal, banho, barba, depilação, maquiagem e troca de roupa, total de 365 horas; duas horas em média no trânsito de lazer, considerando só os fins de semana, somam 104 horas, por baixo; meia hora diária nas filas (de banco, metrô, espetáculos, caixas, espera da condução, elevador, estacionamento – sem contar as filas dramáticas de INSS, SUS e emprego, das quais nem todos são vítimas), mais 182 horas; e aí já foram 7 513 horas.
Sobram apenas 1 247 para o amor, o sexo (dedica-se a ele menos tempo do que se pensa, segundo pesquisa recente da Psiquiatria do Hospital das Clínicas: o paulistano diz ter 2,8 relações por semana, a mulher, 2,1; o que dá umas quarenta horas por ano – muito pouco, considerando o destaque que o amor tem nas novelas, nos livros, nos filmes e nos consultórios sentimentais da televisão) – e para passeios, parque, família, praia, futebol, cinema, feiras, livros, shopping, visitas, festa, baile, restaurante, igreja, clube, teatro, barzinho, academia, esporte, caminhada, museus, hobbies, sem contar os imprevistos.
Neste começo de ano, seria bom nos lembrarmos do poeta T.S. Eliot: "Onde está a Vida que perdemos vivendo?".
Na sala de reunião de uma multinacional, o CEO nervoso fala com sua equipe de gestores.
Agita as mãos, mostra gráficos e olhando nos olhos de cada um, ameaça: "ninguém é insubstituível".
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
Os gestores se entreolham, alguns abaixam a cabeça.
Ninguém ousa falar nada.
De repente um braço se levanta, e o CEO se prepara para triturar o atrevido:
- Alguma pergunta?
- Tenho sim. E o Beethoven?
- Como?
- o CEO encara o gestor, confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível, e quem substitui o Beethoven?
Silêncio...
Ouvi essa estória esses dias, contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso.
Afinal, as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas no fundo continuam achando que os profissionais são peças dentro da organização, e que quando sai um é só encontrar outro para por no lugar.
Quem substitui:
Beethoven?
Tom Jobim?
Ayrton Senna?
Ghandi?
Frank Sinatra?
Dorival Caymmi?
Garrincha?
Michael Phelps?
Santos Dumont?
Monteiro Lobato?
John Kennedy?
Elvis Presley?
Os Beatles?
Jorge Amado?
Paul Newman?
Tiger Woods?
Albert Einstein?
Picasso?
Todos esses talentos marcaram a História fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem - ou seja - fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.
Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direcionado para alguma coisa.
Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipe, focando no brilho de seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar "seus gaps".
Ninguém lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico.
O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado de seus talentos.
Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipe e voltar seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projeto.
Se você ainda está focado em "melhorar as fraquezas" de sua equipe, corre o risco de ser aquele tipo de líder que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo e Gisele Bundchen por ter nariz grande.
E na sua gestão, o mundo teria perdido todos esses talentos.
Fonte: E-mail
Barack Hussein Obama é o 44º presidente dos EUA. John McCain reconheceu a derrota em discurso pronunciado na madrugada desta quarta-feira (5).