GRAMÁTICA POLÍTICA OU "TÁTICA TERRORISTA" Blog Reinaldo Azevedo O texto abaixo está na Folha desta sexta. Leiam. Volto em seguida num longo texto, em que falo até do tempo verbal da sedução — sim, leitor, daquilo... * A campanha de Marta Suplicy (PT) discute desde a noite de anteontem a possibilidade de usar duas "armas" contra o adversário e líder nas pesquisas, Gilberto Kassab (DEM), nesta reta final da disputa. Hoje vão ao ar os últimos programas eleitorais e, às 22h, a TV Globo realiza o debate final entre os candidatos. A primeira "arma" em posse dos petistas seria um vídeo entregue por Nicéa Camargo, ex-mulher de Celso Pitta, prefeito de São Paulo entre 1997 e 2000. O vídeo mostraria Kassab, então secretário de Planejamento, em encontro no apartamento do prefeito em 1997, quando, acusado de fraude, Pitta corria risco de impeachment. Procurada pela Folha, Nicéa não quis falar sobre o assunto. Outra "arma" nas mãos do comitê de Marta seria uma denúncia do ex-vereador Salim Curiati Júnior, aliado de Paulo Maluf (PP), segundo a qual Kassab, quando era secretário, autorizou um shopping center a realizar obras além do que era permitido na lei sem que as contrapartidas fossem cumpridas pelos empreendedores. Curiati disse que foi procurado por um conhecido solicitando que ele gravasse depoimento de apoio a Marta. Ele disse que não deu resposta e negou ter feito contato posterior com a campanha petista. O comando de campanha de Kassab não quis comentar. As duas peças teriam chegado ao PT nos últimos dias. Em reunião na noite de anteontem, foi discutida a possibilidade de serem expostas no programa de TV ou abordadas no debate. Não houve consenso na cúpula da campanha, embora a maioria dos petistas ouvidos pela Folha tenha afirmado que opinaram contra o uso. "Isso foi discutido, mas nem quisemos tomar conhecimento. Marta está preparada, vai manter a tranqüilidade, sem adjetivação contra o adversário. O que ela vai tentar mostrar no debate é que, se eleger Kassab, São Paulo estará embarcando em enganação semelhante à de Celso Pitta ou a de Fernando Collor [eleito presidente da República em 1989]", disse o chefe-de-gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho. A campanha da petista se encerrará com carreatas nas zonas sul e leste, amanhã. Assinante lê mais aqui Comento Vocês viram que tingi de vermelho alguns verbos e de azul alguns outros, não? O texto acima merece ser debatido nos cursos de jornalismo. Nós vamos lê-lo juntos. Os verbos em vermelho estão no que se chama, em português, futuro do pretérito. É o tempo do modo indicativo com que se expressa a incerteza, a irrealidade, a hipótese. Nos períodos compostos, vem acompanhado do pretérito do subjuntivo (em preto): “Se Marta tivesse mais votos do que Kassab, ganharia a eleição”. Entenderam, né? “Se Lula transferisse voto, o PT não perderia em Porto Alegre, em São Paulo e na Bahia”. Esse é o uso, vamos dizer, corriqueiro do futuro do pretérito. Mas vocês sabem que os tempos e modos verbais não são assim tão rígidos. A depender do contexto, o falante pode expressar uma noção de futuro. A linguagem da sedução é cheia de pretéritos do subjuntivo e futuros do pretérito, embora o sedutor esteja mesmo é pensando no futuro do indicativo: “Olhe, se você aceitasse o meu convite pra jantar, nós poderíamos, depois, dar uma esticada...” — se ele usasse o advérbio certo para o futuro que tem em mente, diria “na cama”. Mas disfarça: “num bar que toca um jazz sensacional”. Ainda no terreno da sedução, usa-se, às vezes, o pretérito imperfeito para sugerir delicadeza e disfarçar a ansiedade: “Ah, depois do jantar, a gente podia...” Esse “podia” aí está errado, claro. Mas é menos invasivo nas preliminares... Ah, a gramática da sedução, não é leitor? Não fosse Lula, bem que a gente podia tratar de assuntos bem mais saborosos... Viram? O correto, acima, é “poderia”, mas tiraria uma certa manha da expressão, né? Adiante, Reinaldão! Fale dessa gente chata, aborrecida e bruta. Vamos ao futuro do pretérito do texto da Folha. Sim, os petistas passaram aos jornalistas a informação de que dispõem das duas coisas: o depoimento de Nicéia Pitta e o de Salim Curiati Júnior. Mas precisa parecer que eles não falaram com ninguém. Daí o tom da dúvida, a esfera quase onírica da coisa toda. Estivesse o verbo no presente ou no pretérito perfeito do indicativo — “têm a fita”, “gravaram a fita” —, então ficaria claro que eles fizeram o que fizeram. Mas a informação foi passada ao jornalista em off. Isso tem de ser noticiado? É uma boa questão. Observem que, sem a fonte da informação, o jornal acaba sendo usado como veículo para o PT fazer terrorismo contra os adversários. Uma questão para o ombudsman debater. Em reportagem política, o futuro do pretérito, aí na forma composta, é muito usado por certos jornalistas que se comportam como porta-vozes informais de poderosos — vocês conhecem o tipo; essa gente que partilha o círculo íntimo (ui, ui, ui) do poder. Ah, quantas vezes vocês leram o repórter solerte escrever coisas como: “O presidente Lula estaria preocupado com isso e com aquilo, teria confidenciado tal coisa a interlocutores”. Tudo mentira, viu, leitor? Sempre que um político “confidenciar algo a um interlocutor”, de que o jornalista ficou sabendo, foi o próprio político quem passou a informação — ainda que usando um intermediário. É só uma questão de lógica, não é? Fiquemos com Lula: se ele faz uma confidência a alguém, e se essa confidência chega ao repórter, ele logo saberia que o outro deu com a língua nos dentes, não é mesmo? Não se deixe enganar por repórteres do Paço! Ih, já me desviei um pouquinho. Volto ao texto da Folha. Agora vamos pensar os verbos em azul. Eles estão no modo indicativo — aquele mais afeito às certezas — , ora no presente, ora no passado. Observem: a campanha de Marta “discute” (não há duvida nenhuma a respeito) se leva ao ar ou não as tais denúncias. Como alguém pode discutir o que, a se dar crédito ao futuro do pretérito, não é certo que exista? Então existe: então o PT realmente optou por ter a sua Miriam Cordeiro, é isso? Se não tem, ao menos mente aos jornalistas que tem. Agora prestem atenção ao ex-seminarista Gilberto Carvalho — desse, ao menos, a Igreja se livrou. “Isso foi discutido”. O que foi discutido? Aquilo que os jornalistas noticiam como hipótese, sempre no futuro do pretérito? Tática Cada um conduza as coisas como quiser, mas, da forma como está alinhavado o texto, a Folha — sem querer, é claro — acaba servindo passivamente à tática terrorista do petismo. Nem precisa de leitura política ou ideológica para se chegar a tanto: basta a gramatical. “Então quer dizer que não se pode tocar nesse assunto?" Claro que sim. E de várias maneiras: a – jornalistas apuram que as peças existem, embora o PT negue; b – PT diz que as peças existem, mas o jornalismo apura que e falso; c – mesmo sem uma confirmação em on, o jornalismo apura que as peças existem. O que não dá é para ficar nesse “existe-não existe”, revelado por essa estranha miscelânea de tempos verbais. A cada debate, o PT tenta lançar uma tática de desestabilização do adversário. O texto acima, convenham — sem querer, claro — virou peça do jogo. PS: Como pode o braço direito do presidente da República, que exerce função similar à de um ministro de estado, referir-se a um prefeito de um partido da oposição, franco favorito a ter seu nome referendado nas urnas, do modo como faz Gilberto Carvalho? Repetirei aqui o que disse anteontem aos que foram à Livraria Saraiva, em Campinas, no lançamento de O País dos Petralhas na cidade: não fossem todos os óbvios defeitos do petismo no que concerne à democracia, eles têm uma característica que talvez supere todas as outras: A INSUPERÁVEL VULGARDADE. Mesmo quando o diabo veste Prada. |
"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."
sexta-feira, outubro 24, 2008
Insuperável Vulgaridade
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário