"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

sábado, março 07, 2009

Que Igreja é essa?

Que pastor é esse?

por Tânia Fusco

Fonte: Blog Ricardo Noblat

Aborto é pecado mais grave que estupro. É pouco ou quer mais?

Pois essa pérola de insensibilidade humana, tão descolada do espírito cristão, é o presente que Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, oferece às mulheres brasileiras na véspera do Dia Internacional da Mulher.

Diga-se de passagem que o estupro em questão foi perpetrado contra uma menina de nove anos, que dividia a tragédia com a irmã de 14. Duas crianças, a mais velha inclusive é especial. Ou seja, tem também a fragilidade de uma deficiência.

O padrasto estuprador das duas, no entanto, foi qualificado pelo bispo apenas como mais um grave pecador. Já a família da violentada e os médicos que lhe fizeram o humanitário aborto salvador mereceram sumária excomunhão -- pecado sem perdão.

Saiba o senhor bispo que as duas coisas são absurdas violências. Mas o aborto, que também fere corpo e alma da mulher, ao menos pode ser uma decisão pessoal. (No caso da menina, nem isso. Porque alguém de nove anos não tem condições sequer de decidir se quer ou não abortar a invasão que lhe gerou fetos gêmeos. Fez por uma decisão médica. Seu útero ainda não tinha maturidade suficiente para suportar uma gravidez. Alguém precisou decidir por ela. Qualquer um com um mínimo de lucidez sabe disso. Menos o senhor arcebispo de Olinda e Recife).

Provavelmente para o senhor Dom José Cardoso Sobrinho também os torturadores são merecedores do mesmo perdão que a Igreja oferece a qualquer pequeno mentiroso. Porque o estupro, caro arcebispo, é uma tortura continuada. Além da indignidade, da dor e da humilhação ainda deixa no corpo violentado o esperma do agressor, que pode resultar na gravidez indesejada, como a da pequena pernambucana.

Gerar, gestar e parir filhos é uma benção da natureza às fêmeas racionais ou irracionais. Entre os irracionais não há o estupro, porque a atividade sexual é conduzida pelo instinto. Com os racionais, senhor arcebispo, o ato sexual tem que ser consensual. Ele pode nem envolver amor e afeto, mais exige o desejo de ambos para não ser agressão, para não ser tortura imposta por um pecador e seu incontido (e perdoável?) desejo animal.

As leis da Igreja ainda consideram o aborto como assassinato. Para parte de nós mulheres cristãs é difícil compreender essa insensibilidade. Mas aceitamos o debate e lutamos para reverter essa posição radical tão distante da realidade. Como decisão e risco pessoal, muitas cristãs enfrentam medo e ameaças e fazem abortos em clínicas clandestinas, sujeitas a toda a espécie riscos, porque a proibição da Igreja não permite que o aborto seja um procedimento médico regular, feito em condições ideais de segurança, higiene, etc.

Essa rigidez da lei católica castiga muito mais as mulheres pobres, senhor arcebispo. Porque as que podem pagar, conseguem fazer seus abortos com bons médicos, com as melhores condições de segurança hospitalar. As carentes, coitadas, vão a aborte iras que, ainda hoje, usam até agulhas de tricô e crochê para provocar a expulsão dos fetos. Muitas morrem nesses procedimentos. Isso acontece cotidianamente pelo mundo afora.

No momento em que escrevo, senhor arcebispo, milhares de abortos estão sendo feitos no Brasil e em todo o mundo. Isso é publico e notório. Só a hipocrisia oficial – santa ou não -- ainda se dá o direito de negar a realidade evidente, explicita e dolorosa.

Todas essas mulheres serão excomungadas? Ou só as que tiverem a infelicidade adicional de, ainda por cima, serem vitimas de tragédias que tornem seus casos públicos, como a da pequena inocente de sua arquidiocese?

Aliás, senhor Dom José Cardoso Sobrinho, não ocorreu ao seu espírito cristão que a menina em questão já foi suficientemente violentada para merecer da Igreja da fé, que muito provavelmente ela professa, ainda a crueldade do castigo máximo da excomunhão aos seus próximos?

Seu confessor lhe dará a absolvição para o pecado público de tão distinto tratamento – a generosidade do perdão ao estuprador e a condenação inapelavelmente aos médicos e à família da pequenina estuprada.? Em que cofre foi confinado sua caridade cristã?

Quem será merecedor do Céu: médicos e família excomungados ou tão radical e insensível pastor de almas?

Tânia Fusco é jornalista

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails