"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

quarta-feira, junho 11, 2008

A arte de viver e de morrer

O professor americano que, enquanto espera a morte, está dando uma lição de vida

Peter Moon

RANDY PAUSCH
O livro que será lançado nos EUA na semana que vem foi feito como uma lição para os filhos

É uma tradição crescente das universidades americanas oferecer a seus alunos uma aula intitulada A Última Lição. Em geral, a honra cabe a um dos professores mais admirados do campus. Pede-se a ele que imagine estar perto de morrer e ser aquela sua última chance de transmitir aos estudantes o que ele aprendeu de mais valioso na vida. No caso da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, Pensilvânia, o escolhido do ano passado foi Randy Pausch, um professor de Ciência da Computação. Um dos mais famosos especialistas em videogame e realidade virtual dos Estados Unidos, Pausch, aos 46 anos, era um dos heróis dos alunos e uma das mais brilhantes estrelas da Carnegie Mellon. O que era para ser um exercício hipotético tornou-se, para Pausch, uma questão existencial. Pouco depois de ter sido convidado para dar “a última lição”, ele foi diagnosticado com câncer de pâncreas, uma das formas mais fatais da doença. “Os médicos me disseram que eu tenho de três a seis meses de vida”, disse, no início do discurso, em setembro. “Isso faz um mês, então vocês podem fazer as contas.”

Os 76 minutos da palestra foram gravados, colocados no site YouTube e podem ser vistos em epoca.com.br. De lá para cá, mais de 10 milhões de pessoas viram e ouviram sua mensagem. Versões editadas da palestra foram vistas por muito mais gente. Desde então, Pausch se tornou uma celebridade. Ele apareceu no Oprah Winfrey Show, o programa de entrevistas de maior sucesso da TV americana, e foi ao Congresso fazer campanha por verbas para pesquisas. Recebeu mais de 10 mil e-mails. Na semana passada, seu nome entrou na lista das cem pessoas mais influentes do mundo, publicada pela revista Time.

Mais do que sua tragédia pessoal, o que vem causando comoção nos Estados Unidos e no mundo é a forma como ele lida com a proximidade da morte. “Não posso mudar as cartas que tenho na mão, mas posso decidir como quero jogá-las”, disse na palestra. “Se não pareço deprimido como deveria, desculpe por desapontá-los. Não sei viver sem ser feliz.”

Sua mensagem deverá reverberar ainda mais a partir do sábado que vem, quando chega às livrarias americanas o livro The Last Lecture (A Última Lição). A editora Hyperion pagou US$ 6,7 milhões para publicar uma versão ampliada do discurso de Pausch. O jornalista Jeff Zaslow, o primeiro a divulgar a palestra e colocar trechos dela na internet, foi contratado para entrevistar Pausch. Durante 53 dias, os dois seguiam uma rotina: Zaslow escrevia no computador e Pausch pedalava sua bicicleta, respondendo às perguntas pelo celular.

Pausch diz que nunca esperou fazer tanto sucesso. Ele achava que falaria no auditório central da Carnegie Mellon para não mais do que 150 pessoas. Apareceram 400, que o aplaudiram de pé no início da sessão (ao que ele respondeu: “Deixem que eu primeiro mereça os aplausos”) e várias vezes durante. Também não esperava ter, depois, tantos milhões de admiradores. Seu recado não era para o público em geral – nem mesmo para os estudantes aos quais se dirigiu. “Esta aula não foi feita para vocês”, disse, no final da palestra, “mas para os meus três filhos.”

Dylan, de 6 anos, Logan, de 3, e Chloe, com quase 2, ainda são muito pequenos para entender o que se passa com o pai. Por isso, ele gravou a palestra. “Quero que eles entendam as coisas nas quais acredito, e todas as maneiras como eu os amo.” Em relação a seu livro, Pausch afirma: “O que me importa são apenas os três primeiros exemplares (reservados aos filhos)”.

A palestra era intitulada Conquistando Seus Sonhos de Infância. Pausch se diz bem-sucedido nesse quesito. Não virou astronauta como sonhava, mas andou no acelerador da Nasa que dá a sensação de falta de gravidade. Trabalhou no projeto de um simulador de tapete voador para o jogo da Disney inspirado no filme Aladin. E conheceu William Shatner, o ator que representa o capitão James T. Kirk em seu seriado favorito: Jornada nas Estrelas. Shatner foi a seu laboratório para entender de realidade virtual, quando escrevia um livro sobre a ciência por trás da série.

“Meus filhos não sabem que em cada encontro com eles eu estou dizendo adeus”

Pausch falou também sobre seu legado. O programa de criação de imagens 3-D da universidade, Alice, que ele ajudou a fazer, registrou 1 milhão de downloads no ano passado. “Como Moisés, cheguei à Terra Prometida, mas não vou poder pisar nela”, afirmou. “Tudo bem. Eu sobreviverei no Alice.”

Em setembro, Pausch gozava de ótima saúde. Exercitava-se, não bebia e jamais fumou. Para sua platéia, fez algumas flexões de braço, e disse: “Antes de sentirem pena de mim, venham aqui e façam algumas”. Um dia antes, sua mulher, Jai, tinha feito aniversário. Ele comandou um “parabéns a você”, enquanto Jai subia ao palco para soprar velinhas e lhe sussurrar no ouvido: “Não morra”. A palestra foi concluída com mensagens curtas e simples. Não se queixem. Trabalhem. Acreditem nas pessoas. Dêem o melhor de si. E estejam preparados, pois “a sorte favorece a mente preparada”, como disse o médico francês Louis Pasteur.

A ida ao Congresso em março cobrou um alto preço para a saúde de Pausch. Seu coração e rins começaram a falhar. Teve de trocar a bicicleta pelo leito hospitalar. O câncer se espalhou para os pulmões e o abdome. Desligado da vida acadêmica, Pausch comprou uma casa na Virgínia e passa a maior parte do tempo com as crianças, filmando tudo. “Há um certo senso de urgência que eu tento não deixar que contamine meus filhos. Eles não sabem que em cada encontro com eles eu estou dizendo adeus”, disse. “As crianças, mais que tudo, precisam saber que seus pais as amam. E os pais não precisam estar vivos para que isso aconteça.”

Fonte: Revista Época


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