"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

sexta-feira, maio 02, 2008

Encarando o monstro da indiferença

Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver,
disse o poeta.

Um poeta é só isso: um certo modo de ver. O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar... vê, não vendo.

Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia sem ver.

Parece fácil, mas não é.

O que nos é familiar,já não desperta curiosidade.

O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que é que você vê no seu caminho, você não sabe.
De tanto ver, você não vê.Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo porteiro.
Dava-lhe bom-dia e, às vezes, lhe passava um recado
ou uma correspondência.
Um dia, o porteiro cometeu a descortesia de falecer. Como era ele? Sua cara, sua voz, como se vestia? Não fazia a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu.
Para ser notado, o porteiro teve que morrer.

Se um dia, no seu lugar estivesse uma girafa cumprindo o rito,
pode ser que ninguém desse por sua ausência.

O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas, há sempre o que ver: gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que um adulto não vê, pois tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo.

O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que,de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho,marido que nunca viu a própria mulher.

Isso exige muito. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia. por aí que se instala no coração o monstro da indiferença

"Você não consegue mudar o que não consegue encarar".
(James Baldwin)

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