"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

segunda-feira, agosto 20, 2007

Piada sem graça

Por Ricardo Noblat

Falta alguém na lista dos 40 denunciados por envolvimento com o Caso do Mensalão - o pagamento de propina a deputados no início de 2005 para que votassem na Câmara como queria o governo. Caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir esta semana se aceita ou não a denúncia oferecida pelo Procurador Geral da República Antônio Fernando de Souza.

Na apuração do caso, também faltou alguém como o senador republicano Howard Baker, do Tennessee, lembrado ontem pelo ex-correspondente do New York Times em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Baker fez parte da comissão parlamentar que investigou o Escândalo Watergate. Em 17 de junho de 1972, cinco pessoas foram presas depois de invadir a sede do comitê do Partido Democrata no edifício Watergate, em Washington. Elas tentavam fotografar documentos e instalar ali aparelhos de escuta.

Na época, o presidente dos Estados Unidos era o também republicano Richard Nixon. Eleito em 1968, ele se reelegeria quatro anos depois derrotando em 49 dos 50 estados o candidato do Partido Democrata George McGovern. Enquanto durou a investigação do escândalo, o senador Baker não se cansou de dirigir a Nixon a mesma pergunta: “Presidente, o que o senhor sabia e quando soube?” Nixon renunciou ao cargo em 9 de agosto de 1974 quando restou provado que mentira ao país ao negar que sabia de tudo.

Os norte-americanos levam muito a sério esse negócio de mentir para eles. Durante mais de um ano, o presidente Bill Clinton correu o risco de ser deposto por não ter dito toda a verdade sobre seu caso amoroso com a estagiária da Casa Branca Mônica Lewinsky. “Eu não tive relações sexuais com esta mulher”, ele jurou. Depois que Mônica contou diante de um júri que Clinton acariciara seus seios e sua genitália, e que ela fizera sexo oral nele, Clinton foi à televisão e admitiu medindo as palavras:

- Eu tive um relacionamento com a senhorita Lewinsky que não foi apropriado.

Para livrarem Cliton da acusação de ter mentido, seus advogados se aferraram à definição de sexo como “contato [do pênis] com a genitália, ânus, virilha, seios, parte interna das coxas ou nádegas de qualquer pessoa com a intenção de provocar ou satisfazer o desejo sexual”. Empenhado em desviar o foco da discussão pública, Clinton mandou bombardear bases terroristas no Afeganistão e no Sudão. Por fim, escapou. Os terroristas, também.

Em torno de Lula, foi montada o que o Procurador Geral da República classificou como uma “sofisticada organização criminosa” divida em três núcleos: o político-partidário, o publicitário e o financeiro. O primeiro pretendia garantir a permanência do PT no poder mediante a compra de apoios políticos. O segundo desviou recursos públicos para bancar a compra de apoios. O terceiro extraiu vantagens ilícitas e se encarregou de lavar dinheiro.

Entre os 40 denunciados, três são ex-ministros – dois deles, José Dirceu e Luiz Gushiken, os mais próximos de Lula. Há 11 deputados ou ex-deputados de cinco partidos. E mais a antiga cúpula nacional do PT. Fez parte dela o único nome punido pelo PT com a expulsão – o ex-tesoureiro Delúbio Soares. Dele se disse que obedecia a José Dirceu. Na verdade, Delúbio sempre obedeceu a Lula. De tão íntimo dele, hospedou-se na Granja do Torto.

É possível que tanta gente ligada a Lula tivesse agido sem o seu conhecimento? Improvável. Lula nunca passou cheque em branco para ninguém, afirmou Dirceu em entrevista à PLAYBOY. Ele se referia a uma suposta declaração de Lula de que seria capaz de dar um cheque em branco para o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB). Mas Dirceu havia dito antes que jamais fez qualquer coisa sem o conhecimento prévio de Lula. Jamais.

Uma oposição frouxa e cúmplice, refém de crimes semelhantes praticados quando esteve no poder, apostou que Lula sangraria sozinho. Foi leniente com ele. A denúncia do mensalão será aceita. Mas em 40 anos o STF nunca condenou uma autoridade. Foi rápido, por exemplo, para julgar o ex-presidente Fernando Collor, absolvido dois anos depois de cair. Em compensação, arrasta-se ali há seis anos processo contra o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), acusado de corrupção.

Em outubro de 2005, ao celebrar seu aniversário de 50 anos, Delúbio profetizou, debochado, que o escândalo será lembrado no futuro como mera “piada de salão”. De lá para cá, nada sugere que ele esteja errado.

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