"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

terça-feira, agosto 26, 2008

Venerável Mestre Kung

Boa parte do mundo ­ inclusive você ­ até hoje segue os conselhos de Confúcio, um sábio chinês que viveu há cerca de 25 séculos

por Mariana Sgarioni

“Não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a você.”

Diga a verdade: isso não lembra uma bronca da vovó, naquele dia em que você resolveu esconder o brinquedo do seu irmão menor? Por mais que o tom não seja dos melhores, a frase faz todo o sentido. Trata-se de um conselho baseado na ética, no respeito ao próximo, na convivência harmônica com o outro. Deve ser por isso que você, depois de adulto, vem repetindo esse pensamento um milhão de vezes, sem se perguntar muito de onde veio.

Agora pasme. Essa frase é velha, muito velha. Ela veio da China, da mente de um homem que viveu cerca de 500 anos antes de Cristo e que revolucionou todo o modo de pensar do mundo em seu tempo. Suas idéias sobre uma ética humanista e a fraternidade universal sobreviveram aos séculos e impregnaram o modo de vida de milhares e milhares de pessoas, chegando até o Ocidente ­ e aos ouvidos da sua avó.

Confúcio era o nome desse homem

Salvar o mundo

O filósofo e educador Kung-Fu- Tzu (Confúcio é a latinização do nome em chinês, que significa Venerável Mestre Kung) nasceu em 551 antes de Cristo, numa pequena cidade do estado de Lu, onde hoje é a província de Shantung, na China. O cenário naquela época era assustador ­ o país havia sido fragmentado em um grande número de estados governados por nobres que tinham a guerra e a matança como seu principal passatempo. Sem contar que a corrupção corria solta e os governantes viviam explorando seus súditos. Enfim, tinha muita gente na miséria e pouca gente se dando bem.

Confúcio, que desde cedo se demonstrou um estudioso inveterado das tradições chinesas, começou a desenvolver seu pensamento diante desse pano de fundo absolutamente caótico. Para salvar a civilização do pandemônio, dizia ele, era preciso restaurar o mundo sob uma base ética. E o único jeito para isso seria inventar um novo código de conduta que todos deveriam seguir, a começar pelos governantes. “Se o rei for honesto, quem mais ousaria ser desonesto?”, perguntava.

O primeiro humanista

A base que permeia todo seu pensamento é o ren, que pode ser traduzido como benevolência ou humanismo.O que quer dizer isso? “A virtude está em amar todos os homens, sem exceção”, dizia. É bom lembrar que ele proferiu essa frase 500 anos antes do nascimento de Cristo, autor do “Amai-vos uns aos outros”.No pensamento confuciano, a frase é a síntese de dois conceitos: amor e altruísmo.O primeiro marca a idéia de afeição recíproca, compreensão e equilíbrio entre as pessoas. O segundo segue a linha da ajuda desinteressada, sem esperar nada em troca.

Mas como disseminar uma mensagem pacifista num mundo dominado pela guerra? Para Confúcio, o jeito era investir na educação. Embora seu sonho fosse conseguir um cargo de liderança, o sábio passou a vida toda lecionando. Ele ensinou suas idéias não apenas aos futuros governantes da China, mas a todos os que quisessem aprender. “Para ele, o principal motivo da degradação da humanidade estava na falta de educação. Se todos, sem exceção, fossem devidamente educados, saberiam como viver em harmonia”, diz André Bueno, sinólogo e professor de filosofia da Universidade Gama Filho (RJ). Sua linha de ensino levava em conta as aptidões individuais e pretendia desenvolver em cada aluno seu caráter e sua humanidade, sem que ele precisasse decorar fórmulas e conhecimentos técnicos. Confúcio certamente estaria se revirando no túmulo se soubesse a forma como os alunos estudam hoje para as provas do vestibular.

O silêncio

Apesar de passar boa parte da vida estudando ­ e ensinando ­, Confúcio nunca escreveu um tratado contendo suas idéias. Seu pensamento foi condensado em frases curtas e organizado por seus discípulos depois de sua morte no livro chamado Os Analectos. O livro contém breves afirmações, diálogos e até anedotas ­ pode- se dizer que os Analectos estão para Confúcio assim como os Evangelhos estão para Jesus. Com certeza, você já ouviu ou leu algumas dessas frases, seja no dito popular, seja nos biscoitinhos da sorte que vêm com a comida chinesa. E foram esses pequenos conselhos que se tornaram um conjunto de normas de comportamento seguidas até hoje pelos países asiáticos ­ ou seja, por mais da metade do planeta.

Mesmo que para nós seus conselhos possam soar como sabedoria de bolso, Confúcio detestava blábláblá. Para ele, quem fala muito tem um pensamento superficial ­ à medida que a reflexão sobre algum assunto se aprofunda, o silêncio aumenta. “Quem possui a suprema virtude da humanidade reluta em falar”, dizia. Não era raro ele recusar-se a responder alguma questão: apreciava o silêncio. Considerava-o imprescindível e necessário, assim como o espaço vazio na pintura. A busca pelo silêncio tornou- se tão profunda em sua vida que, certo dia, pouco tempo antes de morrer, disse a seus discípulos: “Desejo não mais falar”. Os discípulos, perplexos, perguntaram de que forma então ele iria continuar a propagar seus tão sábios ensinamentos. A resposta não tardou: “O céu fala? E mesmo assim as quatro estações seguem seu curso e centenas de criaturas continuam a nascer.O céu fala?”
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