"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

sábado, janeiro 05, 2008

Não Estamos Fazendo o Suficiente e tanto Necessário

por Marcelo B

"O abaixo relatado é verídico e não aconselhável para quem não possa sofrer.
Não recomporei a transcrição por respeito ao meu sentimento de solidariedade ao amigo das vítimas.
AMC"


"Bom dia, amigos,

ainda abalado pela morte de uma grande amiga (parada num sinal de
trânsito, de vidros abertos, ela foi brutalmente assassinada,
juntamente a seu filho pequeno, por causa de um celular, sem ter
reagido nem nada), fico pensando no que poderia redigir a respeito.
Porque quero, porque acho que devo, nem que seja como desabafo
solitário.

Não é necessário tentar descrever o trauma dessa família. O marido
escapou mas recebeu na face o sangue de quem tanto amou e no colo o
corpo daquela com quem construiu uma bela história de anos de carinho
e união. A filha, que estava passando o reveillón fora, não conseguia
ser contactada para o enterro, e quando finalmente o foi, tornou-se
mais uma vítima do caos aéreo (aquele "que já acabou", segundo nossas
autoridades): perdeu o enterro de duas das pessoas que mais amou na
vida, entrou em estado de choque e perdeu o bebê que estava esperando
há poucas semanas. Como viverão essas pessoas agora ?

Mas não é sobre isso que quero escrever, e acho que nem é sobre o
drama desta família - entre tantos casos semelhantes - que devemos
pensar, mas como devemos (re)agir diante de fatos como esses, cada
vez mais comuns. Pior: cada vez mais banais. É a velha história do
"acostumar-se", sobre a qual pensadores como Marina Colasanti já
falaram a respeito: "a gente se acostuma, mas não devia".

Não deveríamos mesmo. E não deveríamos tentar repassar a culpa dos
acontecimentos para os outros, ou mesmo para as vítimas, como
costumamos, consciente ou inconscientemente, fazer. Ouvir "ah, mas
ela não deveria estar de vidros abertos num sinal de trânsito" chega
a ser bisonho: não resolve nada, só aguça a dor e nossa própria
incompetência em dirigir o tal mundo dos racionais. Sim, ela não
deveria estar de vidros abertos "no mundo de hoje" (detesto esta
expressão, mesquinha, fatalista, conformista). Não, ela deveria sim
viver num país onde se pode andar de carro com vidros abertos.

Nós mesmos somos os culpados. E, repito, gostamos de repassar essa
culpa. "São os governantes que não fazem nada", mas nós os colocamos
lá. "Ah, mas eu não votei em fulano ou sicrano", mas muita gente ao
seu redor votou. "Nossos órgãos de controle são corruptos e
incompetentes", mas não cobramos competência nem soluções. E por aí
vai.

No fundo, agimos como inconsequentes. Agimos - nós "adultos", "mais
velhos", "maduros" - pior que muitos dos adolescentes que muitas
vezes tanto criticamos por sua irresponsabilidade em atos aqui e ali.
Nós nos colocamos no papel da vítima quando nos convém ("estamos
reféns dos bandidos"), no papel de donos da razão em outras ocasiões,
mas nunca nos colocamos no papel de ativos reconstrutores da
realidade.

No fundo, somos passivos, conformados.

No fundo, somos mais bandidos que os próprios marginais.

Não estou aqui "levantando bandeiras" (outra expressão que detesto,
porque muitas vezes os braços que poderiam mudar a história estão
convenientemente ocupados apenas "segurando os mastros"). Não estou
convocando ninguém para nada. Mas acho que a passividade e o
conformismo vai destruir mais e mais sonhos.

Não critico as rosas ou cruzes plantadas nas areias de Copacabana
periodicamente. Mas não vejo mais rosas plantadas nos corações dos
cidadãos, e veja cada vez mais cruzes cada vez mais pesadas nas
costas de todos. Entre rosas e cruzes, o que vejo são cada vez mais
espinhos. E dor.

O final de ano - e suas comemorações, festas e crenças - é um grande
(e na minha opinião, extremamente necessário) rito de passagem. Nele,
colocamos nossas esperanças traduzidas em roupas novas, orações,
uvas, abraços e desejos de um mundo melhor. Mas nem mesmo essas
intenções são muitas vezes firmes o suficiente para que confiemos
realmente nelas, para que acreditemos que as mudanças que desejamos
possam mesmo acontecer. Não cremos o suficiente. Não fazemos o
suficiente.

Falta fé - e não estou aí falando de religiões nem previsões
futurísticas. Prefiro rimar fé com pé: pé no chão, labuta,
determinação, construção. Comunhão. De esperanças, mas de muito
esforço. Enquanto levarmos a vida como uma roda gigante em que apenas
recebemos a brisa no rosto, nos contentamos em atingir altos (onde
nos cegamos com o sol) e baixos (onde aproveitamos para cuspir) e
voltarmos ao mesmo lugar, não conseguiremos mudar a realidade, nem
permitir que nossos sonhos, mesmo os mais cotidianos, não mais possam
se concretizar.

Pior: vão faltar sonhos.

E não é isso que eu desejo a vocês, a nós todos, em 2008.

Um abraço ainda assim sempre confiante,

Marcelo"

Recebido por e-mail, de Marcelo em 03.01.08

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