"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

sábado, setembro 15, 2007

Assim termina a semana...

Pena que essa lógica precisa não tenha chegado ao Senado!


Carta às senadoras e aos senadores da República
Excelências


É certo que o país é maior e mais importante do que a votação de logo mais; seria injusto com o Brasil e com os brasileiros que se tomasse o resultado ou como uma sentença de condenação ou como o augúrio de um novo tempo, em que, então, todas as iniqüidades estarão vencidas, com a constituição de uma República só de justos. A história não se faz assim.

Se o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) preservar o seu mandato, a história não chega a termo, num fim trágico; se for cassado, não teremos vencido todas as nossas mazelas. Mas cumpre que Vossas Excelências tenham muito claro: sua resposta ao relatório dos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS) dirá em que país pretendem viver e em que país pretendem que vivamos nós, os brasileiros corriqueiros; aqueles que não representam, mas que são representados; aqueles que lutam cotidianamente para ter uma vida digna, decente, honesta, esforçando-se para passar aos filhos esses mesmos valores. Somos um povo honrado, senhores senadores. O voto de cada um dos senhores dirá quão veloz a Casa espera que o país se encontre não com o seu destino — que isso costuma ser retórica vazia —, mas com suas reais possibilidades.

Não, vocês não são homens e mulheres perfeitos — e nenhum de nós é. Não, vocês não são homens e mulheres sem pecados — e nenhum de nós é. Sim, vocês são demasiadamente humanos — e todos nós somos. Por isso mesmo, porque somos todos falíveis, precisamos de instituições fortes, respeitadas, alçadas acima das nossas vontades mesquinhas, para nos pôr freios, para nos advertir dos limites, para nos indicar os caminhos. O senador ou senadora da República não estará julgando transgressões ou vícios privados; não estará arbitrando sobre as escolhas morais de cada um; não estará legislando sobre as falhas de todos nós. Atenção, Excelências: os Senhores e as Senhoras estarão dizendo qual é a tolerância para transgredir os limites das instituições.

Sim, este texto assume um tom mais grave do que o habitual. Porque há a hora, Senhoras e Senhores, em que precisamos ser graves. Esse texto apela a uma certa retórica passadista. Porque há a hora, Senhoras e Senhores, em que precisamos apostar no futuro lembrando que temos um passado — a Casa em que vocês estão tem história. Este texto não busca fazer com que vocês se indignem com crimes; antes os quer amantes exaltados da instituição e procuradores do decoro. O decoro que faz homens e mulheres, mesmo imperfeitos, dignos desta Casa — mormente se pretendem presidi-la.

O líder tem o dever do exemplo; o líder é o farol e é o guia; o líder é o que avança com coragem contra as dificuldades. E, pois, não lidera quem já não pode ser exemplar; não lidera quem faz de meias-verdades mistificações inteiras; não lidera quem se escuda em privilégios que foram conferidos pelo voto para negar a essência da representação.

Todas as possibilidades de defesa, sabem bem Vossas Excelências, foram dadas ao senador Renan Calheiros. De todas as formas possíveis em que leis, códigos, regimentos, tradições puderam ser usados em seu benefício, eles o foram. Na presidência do Senado, cargo que fez questão de manter, mobilizou a estrutura da Casa em seu benefício.

Infelizmente, o senador Renan Calheiros confundiu obstinação com moral reta; desqualificação adjetiva de provas com inocência; a denúncia de complôs fantasiosos com a expressão pura da verdade.

Nessa trajetória, não ia apenas degradando o mandato que lhe conferiu o povo de Alagoas. Não! Era a própria presidência do Senado — e, portanto, a instituição — que se ia, pouco a pouco, aviltando, pequena, acrisolada na mediocridade defensiva, tolhida por uma impressionante avalanche de meias-explicações e personagens obscuras sempre se esgueirando nas sombras de uma legalidade precária, duvidosa. Renan arrastava consigo a história do Poder Legislativo.

Parafraseando Karl Marx a comentar as desventuras de Luís Bonaparte, o senador Renan Calheiros tornou-se vítima de sua própria concepção de mundo: o bufão sério não tomou a história do Senado como uma comédia, mas a sua própria comédia como se fosse a história do Senado. Preservem-se, Senhoras e Senhores, desse fatalismo místico com que ele pretende revestir a sua resistência. Renan está certo de que há certas forças às quais um senador da República jamais resiste: o poder, o prestígio, as glórias de ser amigo do rei. Cumpre que Vossas Excelências, hoje, lhe digam o contrário. E isso significará ao conjunto dos brasileiros um sinal de esperança; uma aposta num futuro mais digno; um gesto presente demonstrando que, nessa Casa, nem tudo é permitido.

O resultado da votação de hoje dirá a disposição que os membros dessa Casa têm de estabelecer um diálogo franco, aberto, honesto, com a sociedade — ou, pelo avesso, o seu estado de alienação, de alheamento, de verdadeiro divórcio entre as expectativas de um povo honrado e seus representantes. Olhem à sua volta. Por que tantas medidas de segurança? Por que tantas proibições, tantas interdições, tanto esforço para tolher a comunicação? A consciência de cada senador não reside no silêncio dos cemitérios, mas na história viva do povo que ele representa. Ao se proibirem celulares e computadores, não se quer fazer de Vossas Excelências bons juízes; antes, faz-se um esforço para impedir que o Brasil entre nessa Casa.

Dêem uma chance ao Brasil e dêem uma chance ao próprio homem Renan Calheiros dizendo: “Vossa Excelência, como senador da República, errou. E aqui julgamos o senador, não o homem”.

Finalmente, lembro que Renan, numa frase infeliz, disse ter sido vítima dos excessos da democracia. Foi um mau professor. Mas eu lhes ofereço um bom: Tocqueville, em A Democracia na América, afirmou que os males da liberdade se corrigem com ainda mais liberdade.

Aprendamos, então, a ser livres.


Por Reinaldo Azevedo

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