"Deus me respeita quando eu trabalho. Mas me ama quando eu canto."

sexta-feira, abril 17, 2009

Amou-se...

Homenagem a Eulalia - grande saudade!

Amou-se


Desmontar a casa e o amor.
Despregar os sentimentos das paredes e lençóis.
Recolher as cortinas
após a tempestade das conversas.
O amor não resistiu
às balas, pragas, flores
e corpos de intermeio.



Empilhar livros, quadros,
discos e remorsos.
Esperar o infernal juizo final do desamor.


Vizinhos se assustam de manhã
ante os destroços junto à porta:
-pareciam se amar tanto!



Houve um tempo:
uma casa de campo,
fotos em Veneza,
um tempo em que sorridente
o amor aglutinava festas e jantares.



Amou-se um certo modo de despir-se
de pentear-se.
Amou-se um sorriso e um certo
modo de botar a mesa.
Amou-se um certo modo de amar.



No entanto, o amor bate em retirada
com suas roupas amassadas, tropas de insultos
malas desesperadas, soluços embargados.



Faltou amor no amor?
Gastou-se o amor no amor?
Fartou-se o amor?



No quarto dos filhos
outra derrota à vista:
bonecos e brinquedos pendem
numa colagem de afetos natimortos.



O amor ruiu e tem pressa de ir embora
envergonhado.


Erguerá outra casa, o amor?
Escolherá objetos, morará na praia?
Viajará na neve e na neblina?



Tonto, perplexo, sem rumo
um corpo sai porta afora
com pedaços de passado na cabeça
e um impreciso futuro.
No peito o coração pesa
mais que uma mala de chumbo.



Affonso Romano de Sant'Anna

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